Leituras de outubro
Demorei, mas voltei com tudo o que li nesse mês que já tem quase um mês que acabou!
Nesse ano de 2024, me dei a missão de tentar realmente ler ao máximo os livros que tenho nas minhas estantes, ao invés de ceder às ânsias de comprar todos lançamentos, por mais tentadores que sejam (Alô, Solenoide! Alô, Irene Solà! Alô, Tédio Terminal!), ou do impulso de ler aquele-livro-super-bem-resenhado-por-aquela-pessoa-que-eu-sigo-e-que-parece-falar-exatamente-daquilo-que-eu acabei-de-sentir-não-faz-nem-quinze-minutos! É uma forma não só de controlar os gastos, mas também de diminuir o ritmo, a ânsia consumista, e desatrelá-la um pouco mais do prazer tão único da literatura. Voltar a ter um pouco mais de calma, refletir mais no antes, no durante, no depois da compra e da leitura. Não preciso ler (ou ter) esses lançamentos agora-agora. Eles ainda vão estar ali daqui dois, três, seis meses. Ano que vem, talvez. E minhas estantes já estão cheias de opções para serem redescobertas.
Nesse quesito, outubro foi um belo mês de aproveitamento dessas minhas abarrotadas estantes. Revisitei alguns, descobri novos livros favoritos da vida, e passei meio batido por outros. Mas, nesse mês, fiquei ainda mais feliz com as escolhas de compra do Ivan do passado, que me preparou uma seleção interessantíssima nessa adega que ainda vai durar uns belos meses. Essas daqui foram as minhas escolhas do mês:
1) O Outono do Patriarca, Gabriel García Márquez
Ando numa vontade de ler romances de ditador já tem algum tempo, e, lentamente, tenho descoberto as águas tortuosas desse nem tão conhecido gênero literário de cidadania latino-americana. E, dos que já li, O Outono do Patriarca, para mim, foi o melhor. De quebra, se tornou um dos meus favoritos não só da obra do García Márquez, mas um dos meus livros favoritos, ponto. Já estou pensando em quando vou relê-lo.
Aqui, Gabo cria a figura do Patriarca, um general alçado à posição de ditador de um país caribenho sem nome com apoio estrangeiro do governo inglês, que pede, em troca, controle sobre o litoral do país. Esse Patriarca, analfabeto e bruto, além de possuir um poder total sobre seu país, alterando os cursos dos rios e dos eventos astronômicos, para piorar, vive por mais de cem anos, exercendo um controle violento sobre a população, assassinando, reprimindo, dando sumiço nos opositores.
A narrativa, dividida em dez capítulos, é narrada em longuíssimos períodos de frases concatenadas que se estendem por páginas e páginas, e com uma voz narrativa na segunda pessoa no plural (i.e. “nós”) que consegue acessar os pensamentos de toda a população, dando um caráter de uma crônica completa, que inclui todos os pontos de vista, apesar de ser focado na vida do Patriarca, salientando o seu lado ridículo e o seu lado perigoso.
Ainda vou falar mais a fundo dele, eventualmente.
2) Cupim, de Layla Martínez
Esse daqui, leitor, leitora, já apareceu aqui na lista de livros para o mês do terror e vai, provavelmente, reaparecer na lista de melhores do ano. Esse é um romance sobre a violência, a vingança e a perpetuação de traumas e injustiças através das gerações de mulheres de uma mesma família no interior da Espanha. Narrada em capítulos alternados por uma avó e por uma neta que vivem em uma casa onde os fantasmas dos violentados voltam para habitar dentro das paredes e dos móveis, essa curta história, de pouco mais de 100 páginas, consegue atingir profundidades temáticas e temporais imensas. Além disso, possui um dos melhores finais que li nos últimos tempos!
3) Friday Black, Nana Kwame Adjei-Brenyah
Esse daqui também apareceu na lista de livros para outubro, mas foi, para mim, uma lição sobre o tempo da leitura, sobre o respeito do nosso momento de leitor. Não é qualquer livro que vai ressonar com o que estamos passando naquela semana, naquele mês, naquele ano.
Comprei esse no afã que mencionei, de ler os lançamentos que parecem que tem que ser lidos imediatamente, vai, vai vai, compra, lê, vai, vai, vai! Foi no comecinho de 2023, e a editora Fósforo começou a postar sobre esse livro de contos que exploravam as tensões raciais nos Estados Unidos e criavam cenários surreais e gore a partir de um leve exagero do que já estava ali, no cotidiano. Achei do caralho, e comprei.
Mas aí, comecei a ler. E eu estava gostando das histórias. Mas percebi que eu estava precisando de um tempo do tema. Tínhamos acabado de sair da sequência pandemia/eleições 2022, e eu não aguentava mais argumentar, refletir, agir. Eu precisava de um tempo. E um tempo, dei. Fui pegar esse livro só agora, e, descansado, com uma visão menos viciada, pude aproveitar todas as nuances dos contos de Adjei-Brenyah, e posso dizer: são do caralho, mas exigem estômago.
4) As Brasas, Sándor Márai
Comemorei quando, ao fim do encontro de setembro do clube de leitura que participo aqui em São Paulo, o livro de outubro foi revelado: As Brasas, de Sándor Márai. Eu tinha comprado esse livro lá em 2023, em uma visita à Livraria da Tarde, por recomendação de uma das livreiras. Me pareceu uma ótima história, na hora da compra, mas fui procrastinando, procrastinando, procrastinando, até que essa oportunidade apareceu.
Esse clássico curtinho-porém-denso conta a história de um general do Império Austro-Húngaro que, em meio à Segunda Guerra Mundial, espera a chegada de um antigo amigo para jantar. O general aciona todos os seus funcionários para que o castelo fique idêntico a como estava da última vez que os dois se viram, 41 anos atrás. Sándor Márai finca no mistério dessa distância entre os dois o gancho que centra a narrativa. A história se desenrola nessa mesma noite, em que muita roupa suja é lavada em um longo monólogo quase delirante onde muito é dito e muito é revelado entre os dois.
Cai bem com uma pipoquinha, para acompanhar essa fofoca da qual nós, leitores, nos tornamos testemunhas nesse romance arrebatador.
5) As Helenas de Troia, NY, Bernadette Mayer
Esse eu conheci pela indicação do Rafael Marcon, na sua newsletter Sinto Muito, quando ele falou de poesia e inspiração.
Bernadette Mayer fez um experimento poético muito interessante, aqui, a partir da Helena de Troia, da Ilíada. Ela pegou a cidadezinha de Troy (Troia), no estado de Nova York, foi até lá e entrevistou todas as mulheres chamadas Helena. A partir dessas entrevistas, criou poemas com as falas dessas Helenas, criando retratos textuais de suas opiniões, suas visões de mundo, seus cacoetes verbais. Cada poema vai acompanhado de uma foto da Helena em questão, e, ali também, vemos como cada uma delas é única, seu próprio reino, sua própria ilha.
6) O Papel de Parede Amarelo, Charlotte Perkins Gilman
Outro clássico internacional, esse conto de terror psicológico de Charlotte Perkins Gilman estava na minha estante há tempos, também, numa edição de bolso da Editora José Olympio. E, após fazer a lista para o mês do terror, li esse que se encaixaria perfeitamente nela. Aqui, a autora conta a história de uma mulher que, diagnosticada com uma doença nervosa, é ordenada a permanecer fechada em um quarto, longe de estímulos, como a escrita. O marido aluga uma casa antiga e afastada da cidade, e escolhe um quarto com um papel de parede amarelo velho, cheio de padrões, onde ela ficará isolada.
A história é contada através de um diário mantido em segredo pela protagonista, onde ela vai nos contando como, atrás do papel de parede, parece haver uma outra mulher, que a observa durante a noite. É difícil não dar spoilers, aqui, mas digo apenas que essa é uma narrativa vertiginosa, que nos leva na espiral que essa mulher enfrenta, chegando a um final que posso descrever apenas como:
Me lembrou muito os contos de Carmen Maria Machado, e não me surpreenderia saber que Charlotte Perkins Gilman foi uma de suas inspirações.
7) O Perigo de Estar Lúcida, Rosa Montero
Enquanto lia toda essa ficção durante outubro, um livro de não-ficção me acompanhou ao longo desses 31 dias que passaram voando: O Perigo de Estar Lúcida, de Rosa Montero. Meu primeiro contato com a autora foi lá em 2016, quando me caiu nas mãos o seu A Louca da Casa, uma obra sobre a criatividade, a ficção e sua relação com a verdade. Me apaixonei pelo livro, mas não curti tanto assim as obras de ficção da autora, como A Boa Sorte. Eis que a Todavia lançou esse, que parece ser uma extensão do seu trabalho em A Louca da Casa. Não resisti à ânsia de comprar o lançamento.
Aqui, Rosa Montero traça paralelos entre a criatividade e a loucura, explorando os pontos onde os dois se encontram, especialmente na vida de escritoras e escritores. O livro se constrói em cima de pequenas minibiografias de autores e autoras de criatividades únicas, cujas obras refletem, em maior ou menos instância, seus redemoinhos psíquicos, enquanto entremeia dados autobiográficos (e ficcionalizados) da própria Rosa Montero.
Acho que esse livro é uma daquelas obras obrigatórias aos criativos, pois além de nos levar a reflexões muito profundas sobre nós mesmos, também nos mostra como não estamos sozinhos nessas águas turbulentas das nossas próprias mentes. E, mesmo que o nosso caminho seja só nosso, é bom saber como outros navegaram os seus, seja para fazer igual, seja para fazer o oposto. Leiam!
Essas foram as minhas leituras!
E vocês, o que andaram lendo em outubro? O que recomendam? O que não recomendam?
Contem nos comentários, estou sempre em busca de novas leituras!
Caderno de Exercícios
No exercício de hoje, eu quero que você se inspire na ideia de Bernadette Mayer. Portanto, te proponho: escreva um conto, poema ou crônica sobre um grupo de pessoas onde todos têm o mesmo nome, mas não as mesmas personalidades.
E, como sempre, se quiser compartilhar o resultado comigo, adorarei ler!
Boas escritas!
Até a próxima,
Ivan.
Em outubro eu comecei a tarefa de ir lendo os contos que deixei abertos em abas do navegador para ler depois, deles destaco "Ars longa, vita brevis", do James Alan Gardner (li em espanhol no blog Cuentos para Algernon) e "Ourika: uma senegalesa", de Claire de Duras (esse talvez dê pra considerar uma novela, é sobre uma moça negra criada em meio a alta sociedade francesa, e como a vida dela muda depois que ela percebe que não é igual às pessoas ao seu redor). De coisas maiores, meu favorito foi "Academ's fury", o segundo livro da série Codex Alera, do Jim Butcher. Eu sinto que não consigo elogiar/explicar Codex Alera de uma forma coerente em um espaço epqueno, então vou do jeito incoerente mesmo: romanos treinadores de pokémon!!! Enfrentando alienígenas!!! Com espionagem, cenas de ação e até pitadas de romance!!!
Sobre isso de tentar ler o que já está na estante, eu uso muito o desafio DesencaLendo pra isso. É um desafio insano que fazemos em janeiro para ler 30 livros em 30 dias (usamos muitos contos e quadrinhos para acelerar a contagem, mas mesmo assim eu nunca consegui, a graça está em começar o ano com essa energia caótica de "olha como eu leio muito, tô toda leitora, eu" kkkk). Mas fora esse período febril de alucinação coletiva, eu tenho incluído nas minhas metas do ano "ler pelo menos X livros que eu já tenho" e tem sido bom. Eu tenho muito essa coisa do humor, então se eu quiser ler 3 livros eu preciso me dar 5 opções, que isso me dá uma diretriz, mas também não me "força" a ler uma coisa que eu perdi o interesse ou simplesmente não estou com cabeça.