5 livros para o mês do terror
Dicas de leituras chocantes para aproveitar essa semana pré-Halloween
Outubro, mês do terror. Mês de outras coisas, também. Na verdade, todo mês é sempre o mês de muitas coisas. Mas, hoje, aqui, enquanto conversamos nessa penúltima semana, outubro está sendo o mês do terror. E, aproveitando o tema, quero compartilhar com você, leitor, leitora, essas cinco dicas de livros horripilantes, chocantes, que coloco num lugar especial quando o assunto é horror.
Nessas histórias, vocês verão figuras clássicas da literatura de terror, como fantasmas, assombrações, maldições e psicopatas assassinos, mas o tratamento que cada autora ou autor deu a essas figurinhas carimbadas em suas histórias é o que dá um sabor diferente a elas e as torna únicas, cada uma à sua maneira. A lista não está em ordem de preferência, mas, se você, leitora, leitor, conhece esses livros, me conte qual o seu favorito (ou quais os seus favoritos) nos comentários!
Sem mais delongas, então, aqui estão as minhas cinco recomendações de leitura para o mês do terror!
Sacrifícios Humanos - María Fernanda Ampuero
Essa curta coletânea da equatoriana María Fernanda Ampuero, lançada pela editora Moinhos com tradução de Silvia Massimini Felix nos traz doze contos escritos em sangue. São histórias que, no mesmo estilo de seu livro anterior, Rinha de Galos, são pautadas pelas violências que perseguem suas personagens de forma (geralmente) inescapável, nos apresentando um terror mais social do que sobrenatural.
A forma de violência mais prevalente nessas histórias é a violência física e/ou psicológica contra suas personagens mulheres, usada como forma de domínio, de repressão, sobre seus corpos e mentes. É o caso, por exemplo, de Edith, uma história potente onde uma mulher precisa escolher entre a realização de seus desejos sexuais mais profundos e a segurança de sua própria família, que sofre através do mesmo ato que lhe traz tanto prazer. Essa justaposição nos deixa um gosto amargo na boca, que só piora à medida que o conto se desenrola, e é uma marca da escrita de Ampuero: suas tramas são complexas, e suas personagens possuem doses iguais de luz e de sombra. Em Escolhidas, por exemplo, a autora nos traz uma espécie de vingança, um domínio do corpo masculino pelas mulheres que foram ostracizadas pelo corpo que possuíam. É uma história catártica e nojenta ao mesmo tempo, com cenas difíceis de serem esquecidas.
O segundo tipo de violência que une o livro emerge dos conflitos entre classes sociais, entre diferentes etnias, entre gêneros, em sistemas onde um grupo é sempre visto como “mais puro” e “mais belo”, enquanto o outro é animalizado, escarrado, espancado e assassinado. É o caso do pano de fundo de Crentes, conto onde, em meio a greves e a uma revolução violenta, dois missionários cristãos alugam um quarto nos fundos de uma casa de família. Por serem brancos, com traços europeus, são vistos pela família como santos, bastiões da piedade e da pureza, em contraste com a sujeira e a violência associada ao povo local. A história é narrada por uma criança que, ensinada dessa forma, acaba se tornando cega para os perigos que esses missionários de fato representam.
E, em Invasões (talvez o meu conto favorito desse livro), vemos a história do início de um bairro para onde a classe média fugiu, tentando se distanciar das classes mais baixas, dos que julgavam indesejáveis. Para se estabelecerem nesse local, porém, essas famílias de comercial de margarina precisam lidar com os que já estão ali, e seu conflito mostra que o conforto obtido pelo repúdio e expulsão do outro é algo temporário: uma hora o ódio irá se voltar contra você.
Cupim - Layla Martínez
Todas as famílias têm seus mortos embaixo das camas, só que nós vemos os nossos.
Essa pequena máxima, dita por uma das duas narradoras que dividem o curto, porém impactante romance Cupim, da espanhola Layla Martinez, serve como uma boa introdução a essa história que utiliza do clássico tema da casa mal-assombrada para compor uma história muito mais profunda, muito mais visceral do que os clássicos do gênero, como A Última Volta do Parafuso, de Henry James, nos fazem esperar de histórias assim.
Cupim é um romance curto, com apenas dez capítulos, mas que dá conta de um grande período de tempo. Duas personagens dividem tanto a narração quanto o espaço físico da mesma casa: uma avó e uma neta. As duas são muito pobres e são rechaçadas pela cidadezinha, que teme os fantasmas que habitam a casa. São fantasmas, assim como as duas, cheios de ódio, com assuntos ainda não acabados no plano terreno, que se recusam a ir embora. O romance narra o que acontece após a aparição de um fantasma muito próximo das duas, da vingança que pede que seja realizada em seu nome.
Enquanto a neta narra o tempo presente da narrativa, dando conta dos acontecimentos que giram logo antes e logo depois dessa aparição, a avó vai mais longe, narrando a história da família e daquela casa, que remonta à geração que viveu os tempos da Guerra Civil Espanhola e atravessou os sombrios anos do franquismo. Na soma de seus dois relatos, vemos uma história de terror que se repete há gerações com as mulheres dessa família, que sofrem violências severas tanto dos mais ricos (para quem trabalham) quanto dos homens (que entram na casa no papel de maridos e algozes). Há, assim, um ódio carregado através das gerações, um desejo de vingança que cada uma das mulheres dessa família herda já ao nascer, e que as vai roendo por dentro ao longo da vida, feito um cupim na madeira. Como diz uma das narradoras:
É que nesta casa os mortos vivem tempo demais e os vivos pouco demais. Aquelas que estão no meio, como nós, não fazem nem uma coisa nem outra. A casa não nos deixa morrer mas tampouco viver fora dela.
Envoltas por essa maldição geracional aparentemente inescapável, as duas se unem para levar a cabo uma vingança final, que não nos deixa largar o livro até a última página.
Cupim saiu pela editora Alfaguara, com tradução de Joana Angélica d’Avila Melo.
Friday Black - Nana Kwame Adjei-Brenyah
Poucas coisas são mais aterrorizantes do que ler uma notícia, caminhar na rua ou acompanhar uma discussão nos comentários de uma postagem de uma subcelebridade e perceber o quão grotesco, quão violento, quão racista é o mundo do capitalismo tardio. Nana Kwame Adjei-Brenyah, escritor estadunidense, percebeu isso, e, inspirado nas notícias de violências contra homens e crianças negras, nos recorrentes mass-shootings em seu país, e na constante barbárie cotidiana, escreveu os doze contos reunidos em Friday Black.
O livro já nos recebe com dois pés no peito, com o conto Os Cinco de Finkesltein, uma sátira ácida e bem direta à violência racial de brancos contra pretos nos Estados Unidos. Emmanuel, um homem preto tentando apenas arranjar um emprego, tenta processar o trauma coletivo após a justiça americana soltar um homem branco que matou cinco crianças de forma brutal alegando legítima defesa. O conto se desenrola com imagens extremamente gráficas e violentas que, aliadas à linguagem fria e falsamente neutra que os meios de comunicação usam para noticiar a barbárie desse e de outros casos, deixam um gosto amargo na boca, especialmente ao lembrarmos de casos como o de George Floyd.
Zimmelândia, por sua vez, usa da ficção cientifica para explorar o mesmo tema. Dessa vez, imaginando um parque de “diversões” onde homens brancos pagam para poder fingir que estão matando homens negros em simulações hiper-realistas. Os cenários sempre são construídos de forma que a tal da “legítima defesa” possa ser usada como desculpa para dar vazão a impulsos assassinos dos clientes, e o protagonista desse conto é um dos atores que, repetidamente, é “assassinado” pelos visitantes do parque. Sendo, ele próprio, um homem negro, todos ao seu redor questionam os aspectos éticos desse parque, e ele será levado a refletir: a Zimmerlândia é uma forma de dar vazão, ou de encorajar esse tipo de comportamento?
Esses são apenas dois dos doze contos do livro, que se destacam pela originalidade com que abordam assuntos sociais e cotidianos, bem como pelo tratamento que recebem na pena do autor (traduzida por Rogerio W. Galindo). Nem todos se pautam intencionalmente pelas veredas do terror (até mesmo alguns dos mais sangrentos), mas ler Friday Black é uma experiência do mais puro terror quando sabemos que as inspirações dessas histórias bizarras não são tão distantes do que os cenários pintados por Adjei-Brenyah. Pelo contrário, a realidade é que está próxima demais desses contos, e isso não me deixou dormir direito após a leitura.
Saiu por aqui pela Fósforo.
Mandíbula - Monica Ojeda
Mandíbula abre com uma cena inusitada: Fernanda, garota rica de 15 anos, foi sequestrada, e acaba de acordar no cativeiro em que está sendo mantida. Sua maior surpresa vem pouco depois, quando descobre que sua sequestradora é Miss Clara, sua professora de Literatura no colégio Delta, High-School-For-Girls, uma caríssima e conservadora escola da Opus Dei exclusiva para garotas.
Esse episódio serve como estopim para conhecermos as histórias prévias dessas duas mulheres, numa narrativa de terror e suspense não-linear que vai reunindo, aos poucos, as peças do que se passou antes de Fernanda e Clara se encontrarem nessa situação extrema. Porém, o sequestro não é o foco do livro. Não, em seu centro há algo muito mais terrível, muito mais visceral, muito mais chocante.
Narrado a partir de diferentes pontos de vista e formas narrativas a cada capítulo, Mandíbula conta, primariamente, a história de Fernanda e de suas amigas Ximena, Fiorella, Natália, Analía e Annelise (esta última, sua melhor amiga), que formam um grupo muito coeso no colégio e fora dele, sendo consideradas como baderneiras e incontroláveis pelas professoras e professores. Apesar de manterem uma imagem comportada para seus pais, as meninas, quando juntas, se soltam das amarras que as prendem e deixam seus lados mais animalescos atuarem livremente. As seis costumam se reunir em um prédio abandonado que descobriram próximo a um mangue, e lá exploram seus corpos e suas mentes através de uma série de jogos e desafios que vão do flerte e dos toques à agressão física e psicológica, geralmente passeando no limiar do risco de morte. E, não demora, muitos limites acabam ultrapassados, levando a uma narrativa de terror que prima pela ameaça do que não é visto, mas que pode ser sentido, intuído.
Clara, por sua vez, possui dois grandes traumas em sua vida: um em relação à sua mãe controladora que morreu, outro, em relação a duas alunas da escola em que lecionava antes de ir para o Delta. Ambos lhe legaram marcas psicológicas profundas, resultando em uma obsessão pelos trejeitos da mãe, que tenta copiar, e por um medo profundo de suas novas alunas. Seus capítulos são os que menos aparecem ao longo das 302 páginas da edição brasileira pela Autêntica Contemporânea (com tradução de Silvia Massimini Felix), mas dão uma nova visão sobre o tamanho da repressão religiosa e moral que o colégio Delta impõe sobre suas alunas e sobre seus professores, e sobre as relações de liderança e obediência no grupo de amigas de Fernanda.
Jardim das Bonecas - Joyce Carol Oates
Vencedora do Bram Stoker Awards de 2016, essa coletânea reúne seis narrativas que exploram o lado maligno, perverso, de seus personagens, apontando para o monstro que carregam dentro de si (por vezes, sem perceber).
O conto que dá título ao livro é um dos mais impactantes, e narra em primeira pessoa a vida de um homem que, após um evento traumático, passa a montar uma coleção com as bonecas que encontra nas matas da região montanhosa em que vive. Essa coleção, porém, guarda um segredo doentio, revelado de forma magistral. De forma semelhante, o conto Mãezona acompanha uma adolescente filha de pais ausentes que se aproxima de uma amiga e de sua família, que lhe entregam os atos de afeto que ela tanto deseja e busca. Essa família, porém, possui dinâmicas estranhas e guarda segredos estranhos que representam perigos muitos reais.
Nesses dois contos, grande parte da tensão e aflição que sentimos vem da narração primorosa de Oates (traduzida, aqui, por Debora Isidoro), pois a graça está em ver as mentiras e a inocência do início dos contos irem descascando como tinta velha, revelando a loucura sólida que existe por trás dessa fina camada. Em todos os contos, sabemos onde os personagens estão se metendo muito antes deles, mas não podemos impedi-los de encontrarem o destino que os aguarda. E isso faz parte do horror que Oates cria.
Saiu no Brasil pela Darkside.
Essas foram as dicas!
Você concorda com as minhas escolhas? Adicionaria alguma outra? Me conta nos comentários!
Boas leituras!
Conheça o meu livro!
Cães Noturnos é uma coletânea de 20 contos de realismo mágico, terror e ficção científica que exploram, temas como amor, loucura e morte. Vocês o encontram no site da editora, clicando no link abaixo:
Caderno de exercícios
Muitas das histórias que comentei nesse texto subvertem personagens e gêneros conhecidos do terror, seja aproximando-os de acontecimentos reais e recentes, seja buscando caminhos opostos aos que esperamos ver dessas histórias. Por isso, hoje eu te proponho: escreva uma história de fantasmas ou de monstros, onde os protagonistas não têm medo do fantasma ou dos monstros.
E, como sempre, se quiser compartilhar o resultado comigo, adorarei ler!
Boas escritas!
Até a próxima,
Ivan Nery Cardoso
Adoro a Ampuero. "Rinha de galos" é incrível!